Fojo do Lobo

O Fojo do Lobo de Fafião

   No final do Século XV, início do Século XVI nasceria, por construção da população do lugar de Fafião, um dos maiores sistemas de protecção da Europa, o Fojo do Lobo. Um estudo antropológico leva-nos a um tempo muito distante, onde a protecção das espécies nunca esteve na ordem do dia, a base de subsistência das pobres aldeias do Parque Nacional era a cabra e as suas crias, o cabrito. A Vezeira da Rés, dos imemoriais tempos,  era composta por centenas de animais, e todas as semanas perdiam uma batalha para o lobo.

   Existem dois tipos de Fojo dos Lobos no Parque Nacional e um pouco por toda a região da Galiza, o de Cabrita e o de Paredes Convergentes. O Fojo de Cabrita era uma espécie de circulo ou cercado onde era colocado um animal, variava entre uma cabra ou uma ovelha no seu interior protegida numa pedra mais alta, a sua construção permitia a entrada do lobo, mas não a sua saída. Assim que o lobo entrava na armadilha, ficava sem acesso ao animal e sem acesso à saída, encurralado. A tipologia do Fojo de Paredes convergentes foi o utilizado com maior frequência pelas populações. Para além de ser muito mais eficaz, acabava por servir um propósito que o tornou num dos mecanismos mais implacáveis e cirúrgicos da Europa. 

   Em países como França, Alemanha, Holanda e Dinamarca o lobo cinzento aterrorizava as populações, circular entre aldeias e povoados era uma aventura que levava à morte não apenas os animais como as próprias pessoas. O Lobo, espécie extremamente territorial atacava, e os povos saiam em milícias armadas para as florestas investindo sobre a espécie, eram dispensadas centenas de munições e os resultados pouco eficientes.  

   O Lobo Cinzento foi extinto em grande parte dos territórios europeus estabilizando as suas comunidades nos países de leste, onde se afixou. Em Portugal não tivemos um Lobo Cinzento, tivemos uma sub-espécie deste lobo que sempre esteve isolada das restantes espécies europeias, o Lobo Ibérico. O Fojo do Lobo foi criado com um propósito engenhoso por parte das populações. As munições eram escassas por estas terras, e a ameaça do lobo era um problema. Esta estrutura desenhada em triângulo, conferia duas paredes convergentes com mais de dois metros de altura,  essas paredes têm o aspecto que vão desabar, mas foram criadas com essa aparência com a missão de ser de todo impossível o lobo as escalar. 

   Essas paredes convergente terminavam num fosso, que no exemplo de Fafião tem cerca de quatro metros de profundidade. Depois de construído tudo se resumia a um dos eventos comunitários, que na maior parte das vezes reunia não só as populações locais como de outras aldeias, as batidas.

Nos Montes há Lobos e Homens a lutar pela sua Sobrevivência

   Este é o mote que serve de partida para uma viagem ao passado da nossa aldeia, pela altura em que o Fojo estava ao rubro, assim como o estalar do verniz entre ambas as espécie. O Lobo Ibérico ceifava à aldeia cerca de cinco animais da vezeira por semana, quando estes chegavam da Serra cada família contava os seus efetivos e rezava para que a sua sorte não tivesse ficado nas garras e mandíbulas da “besta” como assim alguns o denominavam. 

   Era uma vezeira composta por mais de mil animais, é claro que os números se perdem entre contos e ditos, há quem refira dois mil, outros ainda três mil. A verdade é que ninguém se lembra ao certo, mas que eram imensos animais, lá isso eram. Durante o Verão o lobo andava lá por cima pela serra, assim como o gado, mas quanto este descia à aldeia pelos finais de Setembro, inícios de Outubro, o mesmo sucedia com o Lobo, descia a uma zona peninsular que chamamos os Montes de Baixo, onde o rio Fafião se funde ao Cávado. Esta área por ser a fusão de rios era a predilecta da espécie, formava frequentes névoas que raramente dissipavam nos Inverno desenhando a camuflagem perfeita típica para os seus ataques. 

   O pastoreio era obrigado a passar por lá, e normalmente era apenas um pastor ou dois, os cães na altura não eram pastores de gado e o lobo agradecia as oferendas quando alguns grupos de cabras iam ficando para trás e se perdiam nas névoas.

   Quando o pastor avistava o Lobo, ao regressar à aldeia, invocava uma reunião no centro da aldeia onde eram convocados os chefes de cada família. A Batida, como assim era chamado este evento comunitário para protecção do gado era processado quase sempre em Fafião nessa mesma noite do testemunho.

   Não era um evento destinado apenas aos Homens, segundo conseguimos apurar só as crianças ficavam em casa, vários são os testemunhos da presença feminina nestas batidas, no entanto, curiosamente eram homens de grande influência que as organizavam, ao qual apelidavam de Mata Lobos. 

   Eram os Mata Lobos em Fafião a organizar as batidas, há quem diga até que organizavam também batidas em aldeias vizinhas. Normalmente este homens com enorme perícia em armas ficavam entrincheirados em dois buracos que eram camuflados com todo o tipo de arbustos na descida final do Fojo para o fosso, e seriam estes os homem que iriam deferir o tiro de misericórdia. 

   Mas a Batida precisava de toda a população e mais alguma, normalmente processavam-se ao final do dia ou ao inicio da noite, e consistia praticamente na divisão em três grupos de populares. Quem tinha armas ficava na armadilha, quatro guaritas feitas em pedra com uma pequena escotilha de visão foram desenhadas neste Fojo que tinha a particularidade de ter quatro paredes que estavam na sua convergência, viradas especificamente para os Montes de Baixo, pois era de lá que a batida começava. 

   Aos olhos de hoje o Fojo e as práticas correntes do uso destas armadilhas deixam imensa tristeza pela enorme efusão da protecção da espécie. É preciso analisar o contexto histórico, perceber um pouco o lado de quem todos os santos dias tem que se pôr a pé para galgar serra acima, percorrer dezenas de quilómetros ao sabor dos animais, quer chova, neve ou faça um tórrido sol. Os animais não têm folgas assim como os seus donos, e naquela altura uma cabra era o suficiente para alimentar uma família durante meses. 

   Os grupos que começavam a batida de pouco iam munidos a não ser pedras, paus e algumas mulheres levavam tachos e outros apetrechos que pudessem gerar o máximo barulho, um dos grupos começava perto das margens do Cávado e outro nas margens do Fafião, e durante toda a noite iam flanqueando avidamente a alcateia que era desta forma corrida para norte em direcção ao Fojo, este processo durava a noite toda, e só ao raiar de luz é que os lobos começavam a aparecer na armadilha. 

  Se tentassem fugir para o rio eram mortos a tiro, o que quase nunca sucedia, pois as escotilhas nas barreiras tinham o perigo de gerar fogo cruzado, e era preferivel a quem lá estava levantar-se e espantar o lobo para que este entrasse na parte onde o Fojo afunila. Onde hoje temos a sua entrada, larga, existia uma paliçada em madeira que servia de fecho, obrigando o lobo a descer no funil. 

   Passavam desta forma os lobos pelos seus principais inimigos, que entrincheirados nas suas protecções arbustivas deixavam-nos passar para apertarem com eles. O fosso do Fojo era antes da Batida armadilhado também, sobre ele tojo, carqueja e todo o tipo de mato servia para cobrir, e mais cá para trás uma trave em madeira servia como inicio do fim como armadilha.

   O Lobo apressado passava pelos Mata Lobos que os apressavam ainda mais para a correria, saltavam a pequena trave em madeira e caiam directamente ao fosso.

   Cada batida conseguia capturar em média de dois a quatro lobos, que eram depois no fosso abatidos. Esta técnica belicista conseguia ser mais eficaz do que em todos os países da Europa porque não só conseguiam capturar quatro lobos numa noite como gastar poucas munições, e esse era o primeiro objetivo, o segundo parte pela lógica dos números, com quatro elementos abatidos incluindo normalmente o Alfa, a restante da alcateia batia em retirada e ficava dispersa, mantendo a paz na aldeia e no pastoreio pelo menos durante meio ano.    

    

Término da História do Lobo Mau

   Em Dezembro de 1948 foi o final para estas armadilhas e a última vez que foi utilizada em terras de Fafião, o estado português percebeu que o efectivo de lobo Ibérico encontrava-se ameaçado e proibiu a sua captura e morte. Nos vinte anos seguintes a guerra entre o Homem e o Lobo continuou a ser uma dura realidade, um pouco por todo o território do Parque Nacional, e nos últimos trinta anos as coisas foram-se compondo. Neste últimos cinco anos tem sido feito um esforço enorme por parte de várias entidades com o intuito de minimizar estragos entre a espécie e entre o Pastoreio. Hoje o Lobo assume um papel fundamental ao qual a aldeia presta várias homenagens, nomeadamente as duas estátuas erguidas em sua honra, em ambas as entradas da aldeia, um magnificente festival “Aldeia de Lobos” que procura sensibilizar ainda mais a população para a proteção da espécie. 

    O Fojo do Lobo de Fafião foi um dos mais utilizados de sempre em toda a história da península ibérica, é o Fojo que existe mais próximo de uma aldeia e também o mais preservado da península ibérica. 

    A tendência para o Homem abandonar a Serra é uma pressão real, as populações envelhecidas das aldeias do Parque Nacional fazem com que efetivos de Cabra Bravia na ordem dos dez mil indivíduos em 2016 numa determinada freguesia sejam hoje, em 2021 pouco mais de trezentos, notando-se uma nítida e clara desistência destes tipo de gado que pouca rentabilidade e poucos apoios existam para a sua expressividade. 

    A subespécie Lobo Ibérico está hoje em clara ascensão com novos perigos ao qual terá que se adaptar, nos quais incluímos a necessidade de predação da Cabra Montês que está hoje espalhada pelas quatro serras do Parque Nacional,  a falta de presas como o Garrano, espécie Autóctone que está em queda dificultará um pouco a sua adaptação o que poderá fazer com que tenha que se deslocar para mais próximo das aldeias correndo o risco do conflito com o pastoreio local. A Associação Vezeira de Fafião está cada vez mais integrada e atenta a todos estes desenvolvimentos surgindo na vanguarda dos projetos europeus em conjunto com o CiBio para a proteção da espécie a medio e longo prazo. 

Notas Finais

  • Fojo em melhor estado de Preservação da Península Ibérica
  • Fojo mais próximo de uma Aldeia da Península Ibérica
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